Textos

Jardim Psicodélico

Acordei estranhamente cedo para ver um sábado chuvoso começar em Amsterdam. Estranhamente cedo para mim quer dizer às dez da manhã. Esfreguei bem os olhos e tentei entender o que estava acontecendo. A coberta era toda colorida, de retalhos. Um padrão se repetia mais intensamente que os outros – um retalho vermelho com bolinhas brancas. A cortina fechada diminuía a intensidade da luz. Na parede, um elefante com quatro braços e uma coroa olhava pra mim enquanto segurava um machado, uma flor, um cesto com frutas e acenava com a palma da mão tatuada.

Fui até a cozinha, ainda bocejando. Sentei à mesa para comer Madalenas e um pedaço de pão. Na minha frente eu via um chinês com um chapéu esquisito,  um negro de barbas longas e uma senhora asiática com um vestido elegantíssimo. Desconcertado, olho ao meu redor, disfarçando. A cozinha é pequena, e tem três ornamentos de flores – um cesto com umas pequenas flores roxas e um cartão pendurado, que diz “Lavandula Butterfly Garden”, um pequeno vaso com uns tocos de madeira e um prato com crocodilos ao redor de caules metálicos que terminam em flores de arame e campainhas de bicicletas, sobre o qual sobrevoam demônios, atores e dragões.

Saí pela porta dos fundos para respirar um pouco de ar fresco, depois do desjejum, e acender o cigarro matinal, apesar do chuvisco e do frio.

Observei o jardim que já tinha visto outras vezes, e que dificilmente esquecerei.

Uma pequena trilha de cimento se extende até um velho portão de madeira. À esquerda dessa trilha há mais algumas flores de caule metálico que terminam em campainhas de bicicletas; algumas prateadas e brilhantes, outras enferrujadas e opacas.  Mais adiante, próximo a algumas pedras empilhadas, um grande barril abriga algumas plantas. Atrás desse barril, dois troncos e uma pá com cabo azul.

Do lado esquerdo, um grande arbusto verde apresenta algumas folhas coloridas, de azuis e amarelhos e vermelhos vibrantes.

Um pouco antes portão de madeira tem quatro pequenas portas; uma moldura de madeira (estilo cubista), uma escotilha de submarino (cinza claro), uma flor metálica (pétalas enferrujadas abertas) e um compartimento de teletransporte (com rede de proteção).

Prefiro não caminhar até lá e olho para os lados. À minha esquerda, sobre uma mesa, não muito distante, vejo don Quixote, de capacete, sussurrando romanticamente aos ouvidos de uma mulher negra, nua, exceto pelo gorro jamaicano em sua cabeça. Ela tem o olhar distante e os seios empinados.

Constrangido de ter presenciado um momento tão íntimo, me viro para o outro lado, e observo uma árvore.

Não é uma árvore muito alta, mas é peculiar. Sem folhas, o tronco amarelado terminava em ramos, nos quais cresciam limões, pinhas e mais algumas flores de bicicleta. Em um dos ramos tinha um maço de chaves enorme, enferrujado. Naquele momento, um esquilo carregava uma pequena pinha e um pássaro grande, parecido com uma arara, vermelho, azul e amarelo, observava em silêncio.

Mais adiante tinha uma mesa rodeada de fornalhas. Em cima da mesa,  uma jovem bola de cristal com chapéu de caneca rolava em direção a outra bola de cristal, mais velha.

Melhor eu apagar o cigarro e entrar, pensei.

Volto à mesa, que agora está mais tranquila. Ainda não sei se estou acordado ou sonhando, mas tenho certeza que descobrirei em 10 minutos – vai começar o treino de fórmula 1, e se eu ouvir o Galvão Bueno, vou saber que é um pesadelo.

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