Textos

Lápide

Impressionante. Era realmente impressionante a fixação que ele tinha com as "últimas palavras". Era ainda mais absurda a situação porque eu trabalhava com ele, e nosso ramo era assassinato. Nós matávamos por dinheiro. Nada glorioso, eu sei, mas mesmo assim, era o que fazíamos. E ele fazia questão de dizer, antes de puxar o gatilho ou passar a peixeira - "Diz aí, cumpádi, quais são suas últimas palavras?". E então, alguns respondiam. Depois, BAM, ou SLASH. A maioria das pessoas o decepcionava, e não dava nenhum material pra ele trabalhar. Os de sempre - "Não, por favor" ou "Eu tenho muito dinheiro, espere". Pior - "Eu tenho família, pelo amor de deus!". Nesses ele fazia questão de passar a peixeira. Eu podia ver o ódio que ele sentia por eles. Em contrapartida, eu via a alegria dele quando se deparava com frases inusitadas ou valentes, e nesses casos ele dava um tiro misericordioso, além de um sorriso. Clássicos como "Não serão minhas últimas palavras, seu tolo!", "Olhe, uma garota nua correndo ali!" ou "Como assim, últimas palavras?" surgiram, e ele contava orgulhoso suas histórias a nossos colegas de trabalho. Depois de algum tempo, começou a passear pelos cemitérios em busca de grandes últimas palavras, ou bons epitáfios. Contou-me seus favoritos -

"Aqui jaz os restos mortais do jovem A.S. Barbaramente assassinado no dia 18 de agosto de 1928. Saudades de seus paes".

"Aqui jazem os meus ossos, Neste campo de igualdade, Para onde virão os vossos, Quando Deus tiver vontade."

Mas o triste mesmo foi o final do infeliz. Passou meses e meses pesquisando, escolhendo quais seriam as SUAS últimas palavras. De nada adiantou, obviamente. As últimas palavras dele foram - "Ei, cumpádi, quais são suas..."

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