Textos

Em busca do Planeta Caravana

Andando pela praia, durante a noite, observando as ondas, percebeu o que lhe acontecia. Não estava velho, mas estava morrendo, e disso já sabia desde que fora ferido. O que percebeu naquele instante era que estava só. O sangue marcava a areia branca, com leves respingos. Ele sangrava menos do que havia imaginado que sangraria. Era um vermelho forte, bonito. Seus cabelos se bagunçavam ao vento. Parou de andar. Ninguém nas ruas. Ele estava só. Mas não era bem esse tipo de solidão. Ele estava só fisicamente, mas estava também solitário, sozinho. Não conseguia pensar em alguém que sentiria sua falta, agora que ele pingava sua vida na areia branca. Melhor - ele sabia que muita gente sentiria sua falta, mas não conseguia pensar em pessoas das quais sentiria falta, agora que estava morrendo. As poucas pessoas de quem ele sentiria falta, se ainda existisse depois de morrer, seriam aquelas de quem já sentia falta. O passado trazia a saudade das longas conversas, das brincadeiras de criança, das cores todas. O presente enchia seu peito com a saudade da pele branca e dos cabelos cheirosos, que há pouco estavam perto dele. A saudade do animal de estimação, que morrera. Saudade de coisas que não poderia ter outra vez, mesmo que continuasse vivo. O futuro trazia a saudade das coisas que ele deixaria de conhecer, dos lugares aos quais ele nunca foi, nem iria. Deitou-se na areia. A maré, subindo, trouxe o mar até seu corpo. A água gelada trouxe um pouco mais de lucidez a ele. Pensou no lado positivo. Pelo menos, não viveu o suficiente para se tornar gado. Vivera como príncipe mimado até então. Morreria sem conhecer as verdadeiras agruras da vida, pelo menos as que viriam com a idade adulta. Já lhe bastavam, pensava ele, o sofrimento do amor e da perda, da solidão e da ânsia. Agora a água já começava a limpar seu corpo ensanguentado. Ele pensou que o sal deveria estar fazendo seu corpo doer, e concluiu que talvez estivesse tão perto de morrer que já não sentia mais. Tentou proferir últimas palavras. A última coisa que tinha dito era 'A Pepsi estava meio quente.'. Sempre desejou que suas últimas palavras fossem hilárias, ou épicas. Arriscou 'Então, se devo morrer, levo toda a existência comigo.' Nada saiu, além de um monte de sangue pela boca. Doeu. Ele se arrependeu. Ficaria então a frase da Pepsi. Era dor demais para formular uma frase que ninguém ouviria. Pensou se na sua lápide estaria o texto que sempre quisera. Perguntou-se se suas músicas seriam ouvidas depois que ele morresse. Pensou em quais amigos iriam ao funeral. Quantas mulheres chorariam por ele? Quantas piadas seriam feitas a seu respeito? Quanto tempo levaria para que se esquecessem dele? Nada disso importava na verdade. Ele já estava de olhos fechados. Só desejava não estar tão só. O sol ainda levaria muito tempo para nascer quando ele finalmente morreu. O mar levou seu corpo e suas memórias.

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